Onde é que o céu é tão estrelado que nem precisamos de lanternas para nos guiarmos no parque de campismo à noite? Onde é que podemos acampar debaixo de eucaliptos repletos de koalas? Onde é que acontecem os campeonatos de surf mais famosos? Numa certa estrada na Austrália…
Planeámos o nosso itinerário para mês e meio na Austrália na “nossa” casa de praia. Depois de Sidney e arredores, queríamos conhecer Melbourne, a Tasmânia, Uluru, o Parque Nacional Kakadu, a Costa Oeste e a Barreira de Coral. Era uma missão impossível…
Australianos e amigos portugueses a viver em Sidney com quem falámos ajudaram-nos e pusemos de parte a Tasmânia – não iríamos ter tempo para usufruir em toda a sua plenitude – e a Costa Oeste – é do outro lado do imenso país e ficava demasiado caro.
Apesar de abdicarmos destas áreas os australianos de Sidney continuavam a tentar convencer-nos de que não fazia sentido ir a Melbourne e percorrer a “sobrevalorizada”, diziam, Great Ocean Road. Existirá aqui um pouco da eterna rivalidade entre duas cidades importantes do mesmo país?!, pensámos.
Começámos a coçar a cabeça e a duvidar dos nossos planos quando um casal de brasileiros com quem nos cruzámos num ferry em Sidney, e que tinha acabado de chegar de Melbourne, despachou a questão da seguinte forma: “A Great Ocean Road até é bonitinha…mas para vocês que são portugueses já viram com certeza muita paisagem igual…”
Foi assim, e já com as expectativas muito lá em baixo, que avançámos para uma das road trips mais famosas do mundo e que aparecem nas listas de “estradas mais bonitas do mundo”, viagens obrigatórias a fazer” e “lugares do mundo a conhecer durante a vida”.
Alugámos um carro e saímos de Melbourne rumo a Port Campbell, pela estrada interior – quase três horas – com paragem nos Doze Apostólos. Fomos, depois, percorrendo a Great Ocean Road, de oeste para este, a acampar durante três dias.
Começo pela conclusão: a linha de costa é absolutamente linda com a força da natureza no seu máximo esplendor. Os penhascos do continente foram (vão) sendo esculpidos por ondas e ventos durante milhões de anos até que colunas inteiras ficaram “à deriva” no Oceano Antártico, dando origem a zonas como os Doze Apóstolos, onde supostamente se alinham 12 colunas rochosas.
Os Doze Apóstolos, um dos lugares míticos da Great Ocean Road, e onde a Matemática fica mais difícil de explicar à Mia…Quantos são doze, mesmo?!
Outra das formações mais famosas, a Ponte de Londres, fazia parte de uma “ponte de via dupla” até 1990, ano em que o arco mais perto da costa desmoronou deixando dois turistas presos no outro arco e resgatados por helicóptero. Histórias como esta contribuem para o mito de uma das estradas mais famosas do mundo.
Além das falésias e das magníficas esculturas naturais no mar, a Great Ocean Road é acompanhada de praias isoladas, campos verdejantes (em grande parte do percurso a estrada afasta-se do mar), floresta tropical, eucaliptos repletos de koalas, trilhos de caminhadas, cidades costeiras acolhedoras com lojas e cafés onde apetece ficar.
Depois há o lado menos romântico e poético. Autocarros à pinha de turistas vindos de todo o mundo, centenas de máquinas fotográficas e “paus de selfie” a acotovelarem-se em cada lugar de interesse (nós incluídos, claro) e a sensação de que está tudo tão organizado que quase não deixa margem para a aventura.
Voltando ao ponto de onde parti: as pessoas com quem falámos tinham alguma razão: a Great Ocean Road remete-nos para a costa portuguesa (excluindo a fauna composta dos fascinantes koalas e cangurus e a fama mundial).
É certo que cada lugar tem as suas especificidades e encantos, mas é impossível não reparar como a paisagem faz lembrar em vários pontos o Guincho, a Arrábida (não há nenhum troço com o mesmo esplendor, mas dêem o devido desconto a uma setubalense), a Costa Vicentina e, claro, o Algarve de Sagres, Lagos ou São Rafael.
Comparações justas ou injustas à parte, eu, viciada nestas coisas das viagens, fiquei a pensar:
Como se cria um destino que fica famoso no mundo inteiro, ainda que seja perfeitamente semelhante a outros lugares?
Acredito que começa quando alguém se apaixona muito por um sítio e decide, em primeiro, criar “pontos atractivos” e, em segundo, espalhar a palavra. Na Great Ocean Road uma das zonas mais procuradas pelos turistas são, de facto, os Doze Apóstolos, perto da povoação de Port Campbell. O nome deveria corresponder a 12 colunas rochosas em fila no meio do oceano.
Olhando das plataformas conseguem contar-se – com muito boa vontade – cerca de sete rochedos no mar. Originalmente esta zona era denominada “Os Leitões” mas alguém nos anos 60 resolveu criar um nome mais apelativo para turistas. E conseguiu. Como recusar a visão dos “Doze Apóstolos”?!
Como os penhascos são dinâmicos e permeáveis à força das marés e do vento, é possível que tenham sido, em tempos idos, mesmo doze e passaram entretanto – em poucas décadas – a sete. Talvez, em breve, seja preciso criar um novo nome. Algo como… os três reis magos?! Fica a sugestão…
À nossa pequena escala, nisto de “criar destinos”, lembro-me que quando o músico Rui Veloso começou a cantar em todas as rádios e na televisão a música “Porto Côvo”, a até então desconhecida aldeia alentejana passou a ser visitada por hordas de turistas em busca de pessegueiros na ilha, do vizir de Odemira, dos sargos no braseiro e de roer laranjas na falésia.
Por isso, aponto, primeiro passo para criar um destino: alguém apaixona-se por um lugar, romantiza o cenário e propaga aos quatro ventos, põe o sítio no mapa e instala a curiosidade nos outros que o visitam em busca das mesmas sensações e experiências.
Para o pôr no mapa é preciso a ajuda da comunicação social, de um plano de marketing, ou ambas. Para isso contribui existir uma estratégia política nacional – e fundos! – que veja o turismo como pilar da economia nacional ou, pelo menos, da economia de uma região. Para a periférica Austrália o turismo é muito importante e multidões de ingleses, norte-americanos e, nos últimos tempos, chineses, continuam a chegar ao país todos os anos.
Por outro lado, a maioria dos “fazedores de opinião” continuam a ser anglo-saxónicos sendo assim compreensível que a maior parte “estradas mais bonitas” do mundo, segundo variadas listas, esteja localizada em países com afinidades histórias e linguísticas: Big Sur (costa leste dos Estados Unidos), o Chapmans Peak Drive (na Cidade do Cabo, África do Sul) e a Great Ocean Road (costa sul da Austrália).
Para um destino ser popular também ajuda acolher iniciativas – privadas ou públicas – que atraiam multidões ao lugar. Desde 1973 que a Bells Beach, perto do início da Great Ocean Road, acolhe o campeonato mundial de surf Rip Curl Pro, levando milhares de pessoas aos miradouros e ao areal desta praia. Quando não acontece por aqui a prova desloca-se alguns quilómetros para oeste até à Johanna Beach, perto de Cape Otway, também na mítica estrada.
Depois há a questão das acessibilidades: tem de existir um conjunto de transportes que permita às pessoas deslocarem-se. Neste ponto, como em quase todos, viajar na Austrália tem sido muito fácil. Está tudo pensado e contemplado. Sem falar na oferta de alojamento abundante e para todas as bolsas: desde hotéis cinco estrelas a parques de campismo com todos confortos (cozinhas comuns todas equipadas, balneários impecáveis). Mais os restaurantes, cafés, comércio, supermercados.
E, muito importante e de sublinhar, tudo isto existe por aqui sem beliscar ou agredir visualmente a paisagem em que estão inseridos.
De volta a Melbourne, depois de três dias a percorrer a Great Ocean Road e já no final da nossa viagem nesta estrada mítica, penso que mais importante do que popularidade, investimento político e económico privado, difusão publicitária e mediática, é necessário que um destino seja mesmo muito bom.
E neste ponto, que não haja dúvidas, a Great Ocean Road para quem gosta de estrada, de natureza e de mar, tem tudo para se manter na crista da onda. Surf incluído.
Pontos altos da estrada:
- Os rochedos – Doze Apóstolos, a Ponte de Londres, o Arco – particularmente quando visitados às horas em que ainda não chegaram – ou já foram embora – os autocarros pejados de turistas.
- Os parques de campismo com cozinhas comuns todas equipadas e sistema de barbecue gratuito, balneários impecáveis, parques infantis e bibliotecas.
Parque de campismo com sala de leitura em Cape Otway
- Acampar debaixo de árvores com koalas.
- O céu tão estrelado que faz com que não seja preciso usar lanterna no campismo.
- Assistir às ondas insanas e aos surfistas de olhos no horizonte em Bells Beach.
- A atmosfera relaxada e tranquila das cidades costeiras como a bonita Apollo Bay.
- Torquay, capital australiana da indústria do surf! Tem o Museu do Surf e existem vários outlets de marcas ligadas à modalidade como a Rip Curl e a QuickSilver.
- Cape Otway e a floresta tropical com cascatas e koalas pendurados nas árvores.
Tu deixas as pessoas cheias de invejinhas da vossa aventura 😦 !!!
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😀 eheheh
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Fotos fantásticas! Mesmo que seja parecido com Portugal, ainda bem que foste. Nem que seja para dizer isso mesmo. Por aquilo que vejo, vale mesmo a pena ir. Mas vai daí eu adoro falésias.
Gosto imenso do facto do parque de campismo ter biblioteca e koalas. E do céu estrelado. Muito bom!
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Vale mesmo, não tenho dúvidas. Gostei mesmo muito de ter ido.
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Como eu gosto disto!
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A vossa família encaixava-se bem numa trip destas 🙂
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